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Prescrição da pretensão de reparação civil para casos contratuais
14/12/2016 Fonte: ConjurA 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recentemente o REsp 1.281.594[1], sinalizou o fim de uma velha discussão acadêmica, ao decidir que o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual.
A responsabilidade civil contratual, cabe esclarecer, é a que decorre do inadimplemento total ou parcial de um contrato. Quem descumpre a sua parte na relação obrigacional, em princípio, estará obrigado a indenizar o outro pelos prejuízos sofridos em virtude do inadimplemento. O Código Civil trata da responsabilidade contratual nos artigos 389 e seguintes. Já a responsabilidade civil extracontratual, aquiliana ou delitual decorre do ato ilícito e pode estar fundada na culpa ou não. Na responsabilidade aquiliana subjetiva, em regra, salvo quando a lei dispuser em sentido contrário, não há presunção de culpa, ou seja, cabe ao lesado comprovar a culpa do agente causador do dano.
O caso concreto analisado pelo STJ envolvia uma montadora de veículos e uma revendedora. Discutia-se o ressarcimento de prejuízos causados pela fabricante, decorrente de sucessivos descumprimentos do contrato de distribuição. Segundo a narrativa da exordial, a revendedora teria tido seu direito subjetivo de continuar atuando como distribuidor cerceado em razão da suposta infração, pela montadora, de diversas obrigações contratuais, culminando com a injusta rescisão unilateral do contrato , ocorrida em 7 de janeiro de 1998. Nasceu, a partir daí, a sua pretensão de reparação civil, iniciando-se, consequentemente, na mesma data, o prazo prescricional para o exercício da referida pretensão. O termo “pretensão”, como se sabe, seguindo a terminologia adotada no direito germânico (anspruch), significa a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa, a que faz jus o titular do direito violado. Violado o direito, nasce a pretensão e se inicia o prazo de prescrição .
Tive a oportunidade de patrocinar a ação originária, como advogado, defendendo os interesses da montadora, ocasião em que sustentei, justamente, a tese da prescrição da pretensão indenizatória, que foi acolhida pelo juiz de primeiro grau, ao extinguir a ação, e cuja sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Nas razões do recurso especial, a revendedora insistiu na tese de que o prazo trienal seria aplicável, exclusivamente, às hipóteses de responsabilidade ex delicto. A postulação recursal, segundo seus defensores, “decorre de um raciocínio lógico: o dever de indenizar é acessório em relação à obrigação contratual. Assim, o regime jurídico a ser seguido é o do contrato, ao qual adere a correspondente sanção pecuniária que nascerá do seu descumprimento. Por essa razão, conclui-se que, enquanto não prescrita a obrigação principal (contratual), de igual forma não estará prescrita a correspondente sanção pecuniária que decorre do descumprimento”.
Curioso destacar que, em decisão monocrática, o ministro Marco Aurélio Bellizze havia dado provimento ao recurso especial, citando diversos precedentes do próprio STJ nos quais prevaleceu o entendimento de que o prazo de prescrição previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil não seria aplicável se a pretensão derivasse de não cumprimento de obrigação e deveres constantes de contrato, determinando, assim, a observância do prazo geral decenal do artigo 205 do mesmo diploma legal. Posteriormente, no julgamento colegiado, provocado pela interposição de agravo interno pela montadora, o relator refluiu de seu posicionamento inicial, abarcando, agora, a proposição da unificação do prazo prescricional para a reparação civil advinda de responsabilidade contratual e extracontratual.
Pelo que se colhe do voto do Ministro Bellizze, a sistemática adotada pelo Código Civil de 2002 “foi a de redução dos prazos prescricionais, visando sobretudo a garantir a segurança e a estabilização das relações jurídicas em lapso temporal mais condizente com a dinâmica natural das situações contemporâneas. Seguindo essa linha de raciocínio, não parece coerente com a lógica estabelecida pelo Código Civil de 2002 deixar prevalecer, como se regra fosse, o prazo prescricional decenal (art. 205), de caráter tão alongado, para as reparações civis decorrentes de contrato, e somente entender aplicável o lapso temporal trienal para a parte veicular judicialmente as pretensões de reparação civil no âmbito extracontratual ou de enriquecimento sem causa (artigo 206, § 3º, IV e V)”.
A decisão do STJ recepcionou o entendimento dominante na doutrina. O voto do relator transcreve, inclusive, importante manifestação de Gustavo Tepedino, a defender que “a opção do prazo trienal do codificador civil, cuja aplicação indistinta às responsabilidades contratual e extracontratual mostra-se consentânea com o princípio da isonomia”[2].
Efetivamente, o Código Civil de 1916, vigente à época em que surgida a pretensão indenizatória da revendedora, estabelecia o prazo de 20 (vinte) anos para a prescrição das ações pessoais, não prevendo prazo específico para a prescrição da pretensão de reparação civil. O Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, promoveu importantes alterações na sistemática da prescrição, especialmente no tocante aos prazos prescricionais. No artigo 205, por exemplo, estabeleceu um prazo geral de prescrição, aplicável na ausência de prazo específico, que foi reduzido de 20 para dez anos, para todas as ações, pessoais ou reais, sempre que a lei não estabelecer prazo menor. O artigo 206, por sua vez, estabeleceu os chamados prazos especiais de prescrição, reduzindo em alguns casos e em outros ampliando os prazos anteriormente previstos. No que se refere especificamente às ações de indenização, estabelece o dispositivo que prescreverá em três anos “a pretensão de reparação civil” (inciso V).
Portanto, houve uma substancial redução do prazo prescricional . Como não existia um prazo específico para a pretensão de reparação civil, ela se submetia ao prazo geral de 20 anos para as ações pessoais e agora temos um prazo especial de três anos para as ações pessoais que veiculem pretensões de reparação civil.
Ou seja, a partir de 11/1/2003, passou a reger a prescrição das demandas indenizatórias um prazo novo e especial de três anos, aplicável a todas as ações pessoais que veiculem pretensões de reparação civil . Em outras palavras, o prazo prescricional aplicável a essa específica modalidade de pretensão pessoal foi reduzido de 20 anos (pois antes estava inserido no prazo geral) para três anos, agora, alçado à categoria de prazo especial.
A polêmica solucionada pelo STJ, decorrente da distinção entre responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual, a rigor já estava pacificada no âmbito doutrinário, com a aprovação do Enunciado 419, na V Jornada de Direito Civil, cujo teor é o seguinte: "o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual".
Sempre sustentei, com apoio no entendimento majoritário dos que dissertam sobre o envolvente tema de responsabilidade civil, a não transposição do contraste entre responsabilidade contratual e aquiliana para fins de prescrição. Isso porque o Código Civil de 2002, ao tratar da prescrição trienal na pretensão de reparação civil, não conferiu distinção quanto à responsabilidade contratual ou extracontratual, ou seja, a Lei é clara e sóbria: toda e qualquer pretensão alicerçada na responsabilidade civil (seja ela advinda de uma relação contratual de um ato ilícito) obedecerá o triênio do artigo 206, §3º, V, do Código Civil.
O dispositivo normativo em questão não comporta exceções e nem interpretação divergente (a hermenêutica não possui campo para atuar, é simples subsunção do fato à norma). E ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir)